quinta-feira, 26 de junho de 2014

Coisas de homem, coisas de mulher


Semana passada, enquanto carpia o local destinado à minha horta, tomado pelo mato, deparei-me com uma pequena jararaca e, num impulso, a fiz em quatro pedaços com a minha enxada já meio cega. O susto foi tamanho que passei a imaginar cobras em todos os recantos da chácara e, na manhã seguinte, amanheci doente. Apesar de morar num lugar em que há alguns bichinhos peçonhentos pela vizinhança, eu tenho verdadeiro pânico de cobras – tudo tem seu preço!

 Esta é a minha última semana de férias e eu passei a maior parte delas trabalhando em casa. Fiz uma escada de alvenaria, um pequeno muro, carpi, podei, mudei coisas de lugar. Depois do susto com a venenosa cobrinha e muito cansada com essas atividades todas, tive um momento de autopiedade: “Coitadinha de mim, sozinha aqui, sem ter quem me ajude, levando balão do pedreiro, tendo vários objetos roubados pelo ajudante dele; ninguém me ama, ninguém cuida de mim...” Esse estado de espírito meio derrotista não me é habitual, mas, não sou de ferro, sou apenas uma mulher de meia idade, com todas as alegrias e as dificuldades inerentes a isso.

 Acabei escrevendo um e-mail choroso para o meu filho, habituado a ouvir todo tipo de lamentação de suas ovelhas, e ele me ligou em resposta. Achei que ele fosse me mimar, passar a mão na cabeça da pobre mãezinha carente e solitária, mas ele, como bom filho e bom padre que é, me deu foi a maior dura! “Onde já se viu, a senhora, em vez de descansar, de passear, passa as férias inteiras em trabalho pesado, carpindo mato, matando cobra! Mãe, isso são coisas de homem, a senhora precisa entender que é uma mulher! Tem de fazer coisas de mulher!”

Conversamos sobre muitas coisas, mas, essa frase “coisas de homem, coisas de mulher”, ficou martelando na minha cabeça e eu me perguntei se, nos tempos atuais, com tudo meio virado de cabeça pra baixo, ainda há coisas de homem e coisas de mulher. O mundo ideal talvez fosse aquele em que as mulheres pudessem ficar em casa, cuidando do lar, doce lar, educando carinhosamente os filhos, lendo um romance, bordando ou tomando chá com as amigas no final da tarde, enquanto os maridos, como bons provedores, trabalhassem e não deixassem faltar nada para as rainhas de seus lares e para suas proles. Mas, ah, como estamos longe dessa utopia!

Uma mulher que vive só, como eu e como tantas, nessa faixa de idade ou até mais jovens, precisam aprender a fazer um pouco de tudo, a cuidarem dos filhos e de si mesmas, a proverem o próprio sustento e, quando necessário, trocar a resistência do chuveiro, o reparo da torneira da pia, o pneu co carro, o botijão de gás e – por que não? – até fazer umas coisas de pedreiro de vez em quando. Assim como muitos homens, também sozinhos, precisam aprender a se virar e dar conta de muitas tarefas antes tidas como exclusivamente femininas.

 Embora às vezes a gente se desanime, se canse, se revolte, estamos mergulhados num caldo único e já não há coisas de homem e coisas de mulher. Isso, por um lado, cria certa confusão, gera alguns conflitos e deixa tudo meio incerto, meio nebuloso, mas, o importante é que, como sobreviventes em um mundo hostil que atravessa uma transição nunca antes experimentada, nos tornamos experts em fazer coisas de seres humanos. Isso nos torna mais solidários e vamos aprendendo a respeitar as diferenças, afinal, como diz a poesia musical de Gonzaguinha “cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”, sejam mulheres fazendo “coisas de homem” ou homens fazendo “coisas de mulher”!


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