“O
rústico, porque é ignorante, ao olhar para o alto, vê que o céu é azul; mas o
filósofo, porque é sábio e distingue o verdadeiro do aparente, ao olhar na
mesma direção sabe que aquilo que parece azul nem é azul, nem é céu.” (Pe Antonio Vieira)
À época da Inquisição, a Igreja condenou como heréticas
as teorias de Nicolau Copérnico, defendidas e divulgadas pelo físico e
matemático Galileu Galilei, de que a Terra não é o centro do Universo e que é
ela que gira em torno do Sol, e não o contrário, como se acreditava até então.
A defesa dessa tese, conhecida como Heliocentrismo, entre outras, rendeu a
Galilei a condenação a uma espécie de exílio, sorte melhor que a de Giordano
Bruno, que foi queimado vivo alguns anos antes, por defender ideias
semelhantes. Enfim, descobriu-se que os astros não eram meros enfeites fixados
à abóbada celeste, que a Terra não era plana e que os “limites” do Universo não
existem.
Hoje sabemos o que isso causou. E, como contra fatos não
há argumentos, fomos obrigados a reconhecer a possibilidade de infinito e que
Deus não é o velhinho de barba longa que imaginávamos, sentado em seu trono,
certamente posto bem no alto da abóbada, cuidando de julgar justos e injustos,
promovendo uns às beatitudes do Céu e condenando outros aos tormentos eternos
do Inferno. Foi necessário que o homem começasse a entender que ele foi feito à
imagem e semelhança de Deus e não que Deus tenha sido feito à imagem e semelhança
de sua ignorância e limitação.
A Igreja foi obrigada a reconhecer seu erro, embora o
tenha feito um pouco tardiamente, quando o Papa João Paulo II, em 2005, alguns
séculos depois do equívoco, retratou-se com Galilei e se desculpou publicamente
pelos erros e desmandos da Inquisição. Talvez seja isso que ainda mantenha coesa
e forte uma das instituições mais poderosas do planeta, capaz de sobreviver a
si mesma e aos enganos dos homens que a compõem: a força de errar e a coragem
de admitir o erro, ainda que atemporalmente.
É
fácil para nós, homens assentados na ciência e apoiados na viga oca do ateísmo,
condenar uma Igreja que comete erro tão medonho. Mas, e se estivéssemos lá, se
fôssemos o homem rústico da época, como encararíamos a desmitificação da crença
da Terra como centro do Universo, Céu acima para os bons e Inferno abaixo para
os maus? Por bem menos que isso matamos, morremos, fazemos guerras. Será que se
tivéssemos o poder para isso, na época, nós mesmos não teríamos apedrejado os
“hereges”, como hoje linchamos alguns marginais? Afinal, o que mais merece quem
ousa por abaixo as crenças que sustentam nosso orgulho, nossos medos e nos consolam?
Minhas palavras hoje podem estar parecendo palavras de um
ateu, mas, não é isso. Do que estou tratando hoje é a maneira tosca e tola como
nos limitamos e nos deixamos levar por opiniões tidas como certas e absolutas. Na
noite de domingo, conversando com um professor de Física, ao dizer-lhe do meu
fascínio pelo pôr-do-sol, ele me deu uma explicação científica fria e absoluta
sobre os horrores, as explosões e o caos que constituem a nossa estrela mãe. Embora
ele brincasse, foi algo como, bem no meio de um jantar, alguém se levantar para
explicar detalhadamente todo o processo digestivo pelo qual passarão os
saborosos alimentos com os quais estamos nos deliciando.
O
que é mais fascinante é que, embora tenham aberto os nossos olhos e permitido
imensa evolução no conhecimento, nem Copérnico, nem Galilei, nem qualquer outro
homem de ciência abalaram a essência da fé. Ao contrário, tirando o homem do
centro do Universo (embora alguns ainda não tenham se dado conta disso) e deixando
sem espaço o Paraíso dos beatos e o Inferno dos condenados, eles nos deram a
liberdade de comungar verdadeiramente com o “Reino dos Céus”, cuja substância
ainda é absolutamente desconhecida aos nossos sentidos grosseiros, mas da qual
podemos ter um suave vislumbre parando ao fim da tarde para observar o pôr-do-sol,
cuja magia nenhuma definição astrofísica jamais será capaz de destruir,
Embora
pareça o contrário, devido ao assumido ateísmo de uma parcela dos cientistas, a
Ciência, livre dos conceitos dogmáticos comuns às religiões, talvez seja a
coisa mais divina que exista dentro desse abismo que separa Criador e
criaturas; no entanto, é a fé que nos faz sobreviver e sublimar ao ponto de nos
encantarmos e extasiarmos à vista de um simples pôr-do-sol. Ainda que aquilo
que nos parece Céu sequer seja azul, religiosos ou cientistas, sábios ou
ignorantes, é a fé que nos move, nos norteia e nos leva a sondar o insondável e
a contemplar, nas mais diversas nuances, a face do Grande Autor. A questão é
que somos muito lentos em compreender.
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