Não é incomum passarmos por crises recheadas de desespero,
tristeza, sensação de fracasso, de que seguimos pelo caminho errado, que
fizemos as escolhas erradas e sofremos as consequências. Isso é plenamente
aceitável e compreensível quando estamos com problemas financeiros, não
conseguimos saldar as nossas dívidas e elas nos consomem, nos tiram o sono, ou
quando temos dificuldades com nossos filhos, desgastes em nossos relacionamentos,
insatisfação com o trabalho, problemas de saúde.
Mas, e quando nenhuma dessas hipóteses é verdadeira?
Quando tudo vai bem com as nossas finanças, quando temos tudo o que poderíamos
almejar materialmente, filhos saudáveis e bem encaminhados, quando somos
realizados profissionalmente, temos histórias de amor bem sucedidas e saúde
perfeita e, ainda assim, não somos felizes? O que acontece? O que nos causa a
sensação de impotência e até mesmo de fracasso. Será o peso da idade? O medo da
morte?
Estou relendo um livro do rabino americano Harold
Kushner, que tem o mesmo título que dei a esta matéria. Ele escreve com base no
Eclesiastes, o livro mais pessimista da Bíblia, cujo autor se apresenta como um
homem muito rico, com amores bem vividos, filhos criados, realizações sem medida
e detentor de muita sabedoria – provavelmente
o Rei Salomão – e, no entanto, um homem
infeliz e atormentado, que diz que o sol nasce para todos e que por conta disso
tanto faz ser bom ou ruim, justo ou injusto, honesto ou mau caráter, o fim será
o mesmo para todos e conclui que na vida tudo é vaidade e o que aproveita o
homem é trabalhar, comer do fruto do seu trabalho, repousar após a fadiga e
procurar fazer a vontade de Deus.
Kushner esmiúça o pensamento de Salomão (ou seja quem for
o autor do Eclesiastes) e mostra que a nossa insatisfação, frustração e
ausência de alegria se dá pela ausência de significado. Não faz diferença ser
culto ou ignorante, rico ou pobre, saudável ou doente, feliz ou infeliz, religioso
ou ateu, chega uma hora que, inevitavelmente, somos forçados a nos perguntar o
que estamos fazendo aqui, porque existimos e se a nossa passagem mudará alguma
coisa na face da terra ou se, após a nossa partida, seremos apenas uma página
virada e rapidamente esquecida e substituída.
Costumamos
evitar ao máximo essas perguntas. Para que nossa alma se mantenha calada e não
nos incomode com questões desse tipo, costumamos anestesiá-la com sucessos,
posses, vitórias , conquistas e conceitos impostos. Mas, cedo ou tarde, ela se
rebelará e gritará as suas perguntas porque sempre chega um momento em que tudo
não é o bastante. Quiçá isso aconteça cedo, quanto antes melhor, pois, por pior
que sejam os efeitos dessa crise existencial, depois dela nos sentimos vivos e
podemos buscar um real significado para nossas vidas. Este é o privilégio de
não morrer jovem: ter tempo para nos fazermos essas perguntas. As respostas...
bem, as respostas o homem vem procurando desde os primórdios.
Hoje, quando escrevo este artigo, a Igreja comemora o dia
de Santo Agostinho. Sou uma grande admiradora deste filósofo, teólogo e grande
homem. Agostinho teve uma das almas mais inquietas de que se tem registro e deu
um bocado de trabalho para a sua mãe, que rezou por mais de 30 anos pela sua
conversão. Ele fez de tudo um pouco: foi filósofo, pesquisador, professor,
astrólogo, teve amantes e até um filho sem se casar. Tinha uma grande sede, uma
busca desesperada pelo sentido da vida, que só se refreou quando ele se
encontrou com Deus.
Ele
não foi um simples beato que viveu desde o berço envolto numa aura de
santidade. Ele foi um homem comum, com uma boa dose de devassidão e
desassossego e, mesmo depois de convertido e de ocupar um alto posto dentro da
hierarquia da Igreja, nunca negou o seu passado e os seus equívocos. Pelo
contrário, fez do aprendizado com seus muitos desvios a via para a santidade.
Por admirá-lo tanto, encerro este texto com uma das mais belas orações que ele
proferiu, lembrando que, ainda que tudo seja vaidade, o propósito de estarmos
aqui é muito especial e sagrado e só teremos paz verdadeira quando entendermos
isto. Podemos não ter as respostas, mas, não vale a pena evitar, a todo custo,
as perguntas.
“Tarde te amei, ó beleza tão antiga e tão
nova! Tarde demais eu te amei! Eis que habitavas dentro de mim e eu te
procurava do lado de fora! Eu, disforme, lançava-me sobre as belas formas das
tuas criaturas. Estavas comigo, mas eu não estava contigo. Retinham-me longe de
ti as tuas criaturas, que não existiriam se em ti não existissem. Tu me
chamaste e teu grito rompeu a minha surdez. Fulguraste e brilhaste e tua luz
afugentou a minha cegueira. Espargiste tua fragrância e, respirando-a, suspirei
por ti. Eu te saboreei, e agora tenho fome e sede de ti. Tu me tocaste, e agora
estou ardendo no desejo de tua paz.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário