“Águas
que movem moinhos são as mesmas águas que encharcam o chão e sempre voltam
humildes pro fundo da terra.” (Planeta Água – Guilherme
Arantes)
Nós, de meia-idade, bem nos lembramos das magníficas
canções eternizadas nos grandes festivais da Música Popular Brasileira. Em
1981, numa das últimas versões desses festivais, o MPB Shell, quando a prática
já agonizava, houve muita polêmica em torno da vitória da pouco conhecida
cantora Lucinha Lins com “Purpurina”, uma música mediana, que logo caiu no
esquecimento. A torcida era unânime para a música “Planeta Água”, do cantor e
compositor Guilherme Arantes.
Sem dúvida, o resultado foi injusto, prova disso é que a
música do Guilherme Arantes se popularizou entre a juventude que a cantava
muito durante e depois do festival, música lembrada até hoje e que até hoje
causa emoção, pois é linda, tanto de letra como de melodia, ao passo que, pouco
tempo depois, ninguém mais se lembrava da “Purpurina” da então esposa do famoso
Ivan Lins.
A falta d’água pela qual estamos passando me fez lembrar dessa
música e pensar na água que já não move tantos moinhos e nem encharca tanto o
chão, embora continue humilde em seu caminho de volta para o fundo da terra. Lembro-me
de ter ouvido de um professor, na minha adolescência, provavelmente o Chiquinho
Pimentel, que a nossa e as futuras gerações sofreriam pela falta de água, o que
soou um tanto absurdo na época, mas, hoje é uma constatação. Vários filmes
trataram dessa temática que saiu das telas de cinema e veio habitar a nossa
realidade.
Eu moro na zona rural, numa região montanhosa, e uso água
de poço, recolhendo a água fresca e pura que um dia voltou humilde para o fundo
da terra, só que essa água praticamente secou. Houve dias em que precisei optar
entre regar a horta ou tomar banho. Mandei baixar a bomba do poço e a água
começou a subir suja de lama, e eu tive de apelar para comprar água ou buscá-la
em casa de conhecidos na cidade ou em bairros vizinhos.
Mandei limpar o poço (aliás, o ofício de poceiro, que
muita gente nem sabe que existe, está em alta por aqui, precisei ficar numa
fila de espera para ser atendida!) e a água da mina voltou a brotar. Ontem subi
na laje para limpar a caixa d’água, tirar a lama que se acumulou no fundo. Não
sei explicar a alegria e a emoção que senti quando a bomba foi ligada e comecei
a ver a água novamente cristalina caindo dentro da caixa. Parece bobagem, mas,
confesso que chorei e rezei, ali mesmo, em cima da laje.
Nesses últimos dias, cheguei a lavar roupa com água da
chuva. Choveu apenas um dia, e nem foi uma chuva abundante, mas, todos os meus
baldes, bacias e panelas foram para o quintal para recolher água e essa água
foi para a máquina de lavar e, depois de usada, foi reaproveitada nas descargas
dos banheiros. Uma situação que jamais imaginei viver. Meu professor tinha
razão. Aliás, professores têm razão em muitas coisas, pena que hoje são
desprezados, ignorados e até hostilizados, tratados do mesmo jeito como
tratamos a água, sem dar o devido valor.
Esta seca, talvez a maior já vivida no estado de São
Paulo, nos leva a refletir sobre muitas coisas, não apenas sobre o uso correto
da água e outras atitudes responsáveis a fim de evitar situações que levem à
falta de chuvas, como a poluição, o desmatamento, as queimadas. Quando se fala
em ecologia, tem-se sempre a impressão que é algo muito distante de nós,
responsabilidade dos “grandes”, mas, quando falta água até para beber, quando o
calor chega a 41 graus, o sol nos fustiga, a seca nos adoece, então percebemos
que a responsabilidade é de cada um de nós, com cada gotinha de água, com cada
pequeno gesto de respeito à natureza.
Infelizmente, da mesma forma como tratamos a água,
desperdiçando por achar que nunca vai faltar, que isso é conversa de político e
ecologista radical, dessa mesma forma, com a mesma displicência e, por que
não?, arrogância, tratamos outros mananciais que nos abastecem. Dessa mesma
forma os jovens tratam hoje a educação, dentro e fora de casa, da mesma forma
tratamos as pessoas que nos amam, sobretudo nossos familiares, achando que o
amor, assim como a água, nunca se desgasta, nunca vai acabar.
Se
considerarmos que dois terços do nosso planeta é água é até estranho que ele se
chame Terra, pois é basicamente um “planeta água”, como diz o refrão da música.
Mas, até mesmo num planeta água, podemos ficar sem poder tomar banho, lavar
nossas roupas e até morrermos de sede. Assim também, mesmo cercados do mais
abundante amor, se abusamos, abusamos, abusamos, um dia podemos morrer de sede
emocional, pois toda fonte, se negligenciada, tende a secar.
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