Quando mudamos de Monte Alto e ficamos bastante tempo sem
visitar a cidade, é normal que, aí voltando, reencontremos pessoas que fizeram
parte do nosso passado e nem sempre as reconheçamos, um está mais gordo, outro
está de cabelos brancos, outro sem cabelos. Da mesma forma, muitos se admiram
de como mudamos desde os tempos idos. Outra característica comum aos filhos
visitantes é se inteirarem das “novidades”: quem casou, quem separou, quem
morreu, quem voltou.
Numa de minhas visitas, ouvi falar bastante, por pessoas
diferentes, de um rapaz da minha época. Não chegamos a ser amigos, mas me
lembro bem dele por ter trabalhado muitos anos como babá em uma casa vizinha à
sua. Mas, por que esse moço, já não tão moço, foi motivo de comentários por
diversos conhecidos meus? Muito simples, ele foi muito bem sucedido nos
negócios e enriqueceu. Houve até quem dissesse que agora ele é “dono da metade
da cidade”, obviamente um exagero, mas que demonstra o quão bem sucedido e
próspero ele é, o que é sempre motivo de alegria, pois embora o dinheiro não
seja a coisa mais importante da vida, é muito melhor ouvirmos dizer que alguém
enriqueceu do que que foi à falência e caiu na miséria.
Semana passada esse próspero homem esteve em um bar da
cidade que costuma frequentar. Talvez tenha exagerado um pouco na bebida e, na
hora de pagar, criou uma situação muito desagradável, acusando a dona do bar de
estar roubando na conta. Bem, eu não
presenciei a situação, mas conheço os donos do bar o suficiente para saber que
eles não roubariam na conta de ninguém, mesmo porque o bar é uma espécie de
ponto de encontro de amigos, que são também, mais que clientes, amigos deles.
Bem, todos têm direito de questionar as contas que lhe são apresentadas, mas, o
que me chocou ao tomar conhecimento do episódio foi a forma nada delicada como
isso foi feito.
A
dona do bar, que ali estava desde cedo, limpando, arrumando, cozinhando e
atendendo gentilmente os clientes, como sempre faz, foi chamada de ladra,
incompetente e outros qualificativos que não convém repetir. Tentou argumentar
e mostrar ao exaltado cliente a conta, onde estava anotado tudo o que ele
consumiu e ofereceu aos amigos. O
triste episódio acabou com um homem colérico gritando e chutando o vidro do
balcão do bar e quebrando-o, o que assustou os presentes, que tentaram acalmar
os ânimos. Ele não se acalmou e saiu do local esbravejando impropérios e
dizendo que estava certo, que estava com a razão.
A moça, minha amiga, ficou arrasada com o acontecido, até
adoeceu no final de semana, de tristeza, de decepção, de frustração por ter um
trabalho que exige tanto dela e acaba por render episódios tão desagradáveis
como esse. O marido, como bom comerciante, tentou convencê-la de que precisava superar
o fato, pois isso faz parte do comércio, afinal, “o cliente tem sempre razão”.
Não, o cliente não tem razão quando se acha no direito de
gritar, ofender e maltratar a pessoa que o serve, quando resolve dar coice,
literalmente, metendo o pé no vidro e arrebentando um equipamento essencial
para o funcionamento do estabelecimento, algo que custou muito suor para ser
adquirido. Por mais rica, respeitada e importante que seja, criatura nenhuma
tem razão quando se comporta de maneira tão primitiva, grosseira e violenta.
Trabalhar em um estabelecimento comercial leva as pessoas
a terem de engolir muitos sapos; sendo esse estabelecimento um bar, mais sapos
ainda e sapos cheirando a álcool, desequilíbrio e frustração. Talvez por isso
meu amigo tenha preferido não criar caso, baixar a cabeça, enfiar a mão no
bolso, bem menos próspero do que o bolso de quem causou o prejuízo, e mandar
consertar o balcão, sem o qual o bar não pode funcionar.
Dói
meu coração tomar conhecimento desse tipo de episódio e, assim, se esvaiu a
alegria que senti ao saber do sucesso deste meu conterrâneo, cujo belo rosto
juvenil ainda é vivo na minha memória, bem como a imagem do pai dele, um homem
de muito brio, provavelmente um dos homens mais admiráveis que habitou nossa
cidade. Não quero julgar esse moço que, se reencontrar na rua hoje
provavelmente nem reconhecerei, mas lamento imensamente esse comportamento tão
estúpido, da parte dele ou de qualquer um que faça coisas desse tipo. Condoí-me
muito com a situação da minha amiga, que ficou infeliz com o fato, mas me
condoí ainda mais por ele, que, para fazer tal coisa, deve ser uma pessoa muito
infeliz.
É certo que a moça que foi ofendida, depois de um dia
exaustivo de trabalho, preferia estar em sua casa descansando, vendo TV, conversando
com o filho, como talvez estivesse fazendo a esposa do homem que a agrediu, se
é que ele é casado, o que eu não sei. Mas se ela estava ali, ao lado do seu
marido, atrás de um balcão de bar, é porque esse é o ganha-pão de sua família,
porque ela é uma batalhadora, uma admirável companheira de seu esposo, porque
não é qualquer um que encara esse tipo de trabalho.
O mínimo que esse senhor deveria fazer, depois de passado
o porre e a ressaca, era voltar ao local e ao menos pagar o prejuízo material
que causou, porque os danos morais e emocionais, esses, infelizmente o dinheiro
dele não pode pagar, mas, talvez um bom pedido de desculpas ao menos alivie.
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