sábado, 22 de novembro de 2014

O cliente tem sempre razão?


            Quando mudamos de Monte Alto e ficamos bastante tempo sem visitar a cidade, é normal que, aí voltando, reencontremos pessoas que fizeram parte do nosso passado e nem sempre as reconheçamos, um está mais gordo, outro está de cabelos brancos, outro sem cabelos. Da mesma forma, muitos se admiram de como mudamos desde os tempos idos. Outra característica comum aos filhos visitantes é se inteirarem das “novidades”: quem casou, quem separou, quem morreu, quem voltou.

            Numa de minhas visitas, ouvi falar bastante, por pessoas diferentes, de um rapaz da minha época. Não chegamos a ser amigos, mas me lembro bem dele por ter trabalhado muitos anos como babá em uma casa vizinha à sua. Mas, por que esse moço, já não tão moço, foi motivo de comentários por diversos conhecidos meus? Muito simples, ele foi muito bem sucedido nos negócios e enriqueceu. Houve até quem dissesse que agora ele é “dono da metade da cidade”, obviamente um exagero, mas que demonstra o quão bem sucedido e próspero ele é, o que é sempre motivo de alegria, pois embora o dinheiro não seja a coisa mais importante da vida, é muito melhor ouvirmos dizer que alguém enriqueceu do que que foi à falência e caiu na miséria.

            Semana passada esse próspero homem esteve em um bar da cidade que costuma frequentar. Talvez tenha exagerado um pouco na bebida e, na hora de pagar, criou uma situação muito desagradável, acusando a dona do bar de estar roubando na conta.  Bem, eu não presenciei a situação, mas conheço os donos do bar o suficiente para saber que eles não roubariam na conta de ninguém, mesmo porque o bar é uma espécie de ponto de encontro de amigos, que são também, mais que clientes, amigos deles. Bem, todos têm direito de questionar as contas que lhe são apresentadas, mas, o que me chocou ao tomar conhecimento do episódio foi a forma nada delicada como isso foi feito.

A dona do bar, que ali estava desde cedo, limpando, arrumando, cozinhando e atendendo gentilmente os clientes, como sempre faz, foi chamada de ladra, incompetente e outros qualificativos que não convém repetir. Tentou argumentar e mostrar ao exaltado cliente a conta, onde estava anotado tudo o que ele consumiu e   ofereceu aos amigos. O triste episódio acabou com um homem colérico gritando e chutando o vidro do balcão do bar e quebrando-o, o que assustou os presentes, que tentaram acalmar os ânimos. Ele não se acalmou e saiu do local esbravejando impropérios e dizendo que estava certo, que estava com a razão.

            A moça, minha amiga, ficou arrasada com o acontecido, até adoeceu no final de semana, de tristeza, de decepção, de frustração por ter um trabalho que exige tanto dela e acaba por render episódios tão desagradáveis como esse. O marido, como bom comerciante, tentou convencê-la de que precisava superar o fato, pois isso faz parte do comércio, afinal, “o cliente tem sempre razão”.
            Não, o cliente não tem razão quando se acha no direito de gritar, ofender e maltratar a pessoa que o serve, quando resolve dar coice, literalmente, metendo o pé no vidro e arrebentando um equipamento essencial para o funcionamento do estabelecimento, algo que custou muito suor para ser adquirido. Por mais rica, respeitada e importante que seja, criatura nenhuma tem razão quando se comporta de maneira tão primitiva, grosseira e violenta.

            Trabalhar em um estabelecimento comercial leva as pessoas a terem de engolir muitos sapos; sendo esse estabelecimento um bar, mais sapos ainda e sapos cheirando a álcool, desequilíbrio e frustração. Talvez por isso meu amigo tenha preferido não criar caso, baixar a cabeça, enfiar a mão no bolso, bem menos próspero do que o bolso de quem causou o prejuízo, e mandar consertar o balcão, sem o qual o bar não pode funcionar.

Dói meu coração tomar conhecimento desse tipo de episódio e, assim, se esvaiu a alegria que senti ao saber do sucesso deste meu conterrâneo, cujo belo rosto juvenil ainda é vivo na minha memória, bem como a imagem do pai dele, um homem de muito brio, provavelmente um dos homens mais admiráveis que habitou nossa cidade. Não quero julgar esse moço que, se reencontrar na rua hoje provavelmente nem reconhecerei, mas lamento imensamente esse comportamento tão estúpido, da parte dele ou de qualquer um que faça coisas desse tipo. Condoí-me muito com a situação da minha amiga, que ficou infeliz com o fato, mas me condoí ainda mais por ele, que, para fazer tal coisa, deve ser uma pessoa muito infeliz.

            É certo que a moça que foi ofendida, depois de um dia exaustivo de trabalho, preferia estar em sua casa descansando, vendo TV, conversando com o filho, como talvez estivesse fazendo a esposa do homem que a agrediu, se é que ele é casado, o que eu não sei. Mas se ela estava ali, ao lado do seu marido, atrás de um balcão de bar, é porque esse é o ganha-pão de sua família, porque ela é uma batalhadora, uma admirável companheira de seu esposo, porque não é qualquer um que encara esse tipo de trabalho.

            O mínimo que esse senhor deveria fazer, depois de passado o porre e a ressaca, era voltar ao local e ao menos pagar o prejuízo material que causou, porque os danos morais e emocionais, esses, infelizmente o dinheiro dele não pode pagar, mas, talvez um bom pedido de desculpas ao menos alivie.


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